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Os revezes legais e o desafio de tornar o Brasil a matriz energética mais limpa do mundo

País tem grande potencial para hibridização de hidrelétricas e produção de Hidrogênio Verde

Ao mesmo tempo em que o Brasil possui uma matriz energética predominantemente limpa, com 82% de fontes renováveis (dados IEA, 2018), o país está em 53º lugar em desempenho energético, em relação a 125 países, nos quesitos diversificação, segurança e sustentabilidade energética – de acordo com o ranking mundial elaborado pela consultoria Oliver Wyman, em parceria com o Centro de Risco Global da Marsh & McLennan Companies e com o World Energy Council (WEC).  Este cenário, que por um lado se mostra animador, por outro revela que o Brasil ainda tem muitos desafios pela frente.

O primeiro deles, ainda na base da matriz energética, esbarra na legislação brasileira, que acaba de ver incentivos fiscais para fontes renováveis retirados da recém aprovada MP 998. Na contramão mundial, a mesma legislação mantém incentivos aos combustíveis fósseis. Apenas esta canetada pode alterar o curso da matriz energética no Brasil, reduzindo para 80%, em 10 anos, as fontes renováveis da nossa matriz.

O segundo, e não menos importante fator, é a diversificação e o aproveitamento máximo das diversas formas de geração e de distribuição de energia limpa. Apenas na Energia Solar, mesmo ainda longe de explorar todo o seu potencial de capacidade de geração, o Brasil já desponta como o 16º país no mundo em capacidade instalada na geração solar com apenas 7,2 GW, de acordo com dados da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar). Ao todo o setor recebeu R$ 36,5 bilhões em investimentos e mais de 1,1 milhão de toneladas de gás carbônico que deixaram de ser emitidos na atmosfera.

O Brasil já conhece e utiliza as principais formas de geração e distribuição de energia limpa, que podem salvar o planeta de grandes vilões como a poluição e as consequentes alterações climáticas. Basta agora se sentar à mesa com vontade política e visão de longo prazo para potencializar todas as suas vocações e potencialidades. Entram nesta discussão, que se faz urgente, a regulamentação da hibridização das hidrelétricas e o incentivo a inovações que despontam mundialmente como o hidrogênio verde.


Matriz Energética Mundial 2016 

Fonte: IEA, 2018


Matriz Elétrica Brasileira 2017

Fonte: BEN, 2018

Projetos pilotos evidenciam que hibridização pode melhorar em mais de 17% geração de energia de hidrelétricas

A ONS registrou o pior mês de outubro (2020) para o período de 90 anos no SIN (Sistema Interligado Nacional) do nível dos reservatórios das hidrelétricas no País. A realidade que sucessivamente vem acarretando, entre outros problemas, impacto direto no bolso do consumidor com alta no preço da energia, tem uma luz no fim do túnel: a hibridização das hidrelétricas com implantação de sistema solar flutuante sobre os reservatórios. Estudo recente publicado pela Michigan State University sobre o caso específico do País mostra que a associação das hidroelétricas à geração solar flutuante aumentaria o fator de capacidade em mais de 17,3%. As hidrelétricas do norte do Brasil têm uma ociosidade da ordem de 12 GW por conta dos baixos níveis dos reservatórios.

Em parceria com a Companhia Hidrelétrica do Rio São Francisco (Chesf), do Grupo Eletrobrás, projeto de Pesquisa & Desenvolvimento já implantou painéis fotovoltaicos flutuantes em área de 10 mil metros quadrados na Usina Hidrelétrica de Sobradinho, no interior da Bahia, hoje responsáveis pela geração de 1MWp. Em projeto em curso no mesmo local, a capacidade subirá para 2,5 MWp. Para se ter uma ideia, ao utilizarmos 10% da lâmina d’água dessas 10 hidrelétricas da Chesf, será possível instalar 52 GW em energia solar flutuante, o que equivale a novas quatro Chesfs em um prazo de dez anos.

Outro projeto piloto da Empresa Metropolitana de Águas e Energia (Emae) na represa Billings, em São Paulo, foi construído em uma área de 10.700 hectares de lâmina d’água, um dos maiores e mais importantes reservatórios de água da Região Metropolitana. O tipo de planta, hoje muito difundida em países como Japão, China e Cingapura, garante até 15% mais em eficiência na comparação com fazendas solares em solo devido ao resfriamento dos painéis. A partir da bem-sucedida experiência, a EMAE abriu, em outubro de 2020, chamada pública para atrair investidores para a construção de novas plantas solares flutuantes no local para tornar a captação de energia solar flutuante também um negócio rentável para a EMAE.

O Brasil é um caso ímpar beneficiado por condições que poucos lugares no mundo têm: sol e vento em abundância. Neste sentido, precisamos hibridizar todas as fontes renováveis para resolver a intermitência. Consumidores, distribuidores, transmissores, geradores, operadores e governo só têm a ganhar com a otimização dos recursos materiais e naturais.

Abaixo esquema de montagem dos painéis solares sobre espelhos d’águas

Tabela abaixo mostra o potencial da geração de energia solar flutuante nos reservatórios existentes nos continentes.

Fonte: Global Solar Atlas Lherner

Desafios do mercado e mudanças necessárias para regulamentar a hibridização das hidrelétricas

A expectativa do setor é que a Aneel trabalhe para normatizar parâmetros regulatórios e comerciais relevantes para geração, transmissão e distribuição para os sistemas híbridos. A partir da abertura da Consulta Pública 61 – 2020, o tema hibridização passou a constar da Agenda Regulatória da agência. A regulamentação precisa estabelecer bases e critérios para a outorga de geração e o mercado aguarda estas regras para dar andamento ao processo de expansão de novas plantas.

O modelo que combina duas ou mais fontes de produção de energia e potência instaladas no parque hidrelétrico nacional, por exemplo, pode impactar positivamente a economia, atraindo R$ 76 bilhões em investimentos. Cálculos iniciais projetam ampliação da capacidade instalada atual de 109 Gigawatts (GW) para 128 GW, gerando energia e potência.  Estamos falando, só neste item, de um aumento de capacidade de 19 GWp, a partir da hibridização da geração solar flutuante nas hidrelétricas brasileiras. Para se ter uma ideia, hoje, na Amazônia, termelétricas a diesel despejam 3,5 milhões de toneladas de CO2 na atmosfera, para gerar apenas 475 megawatts (MW) de energia. Além disso, na matriz elétrica brasileira, o petróleo e outras energias fósseis, como o carvão, têm capacidade instalada de geração de 12.700 MW, ou seja, quase 7% de toda a energia gerada no Brasil. Essa mudança para as fontes renováveis pode tornar o Brasil o país mais sustentável do mundo, com mais de 90% de sua energia sendo gerada por fontes limpas, renováveis e baratas.

Com a hibridização das fontes de energia e as substituições das térmicas a óleo e carvão, será possível adicionar um total de 31,7 GWp de energia limpa e renovável à matriz elétrica brasileira, sem contar com os projetos eólicos e os de geração solar em solo e telhados.

Podemos chamar de desperdício o que vem acontecendo com as usinas hidrelétricas no Brasil hoje. Não é responsável deixar todo o peso da performance das hidrelétricas nas mãos de São Pedro. Precisamos de investimento em energia renovável. As usinas fotovoltaicas flutuantes, por exemplo, podem: aumentar a eficiência energética em até 15%, superior em comparação com as usinas solares terrestres, além de ser uma  tecnologia ecologicamente sustentável que evita a evaporação de água em até 70% e pode ainda aumentar em mais de 17% o fator de capacidade das hidrelétricas.

Energias renováveis impulsionam trabalho e emprego no País

Eletricistas, engenheiros eletricistas, instaladores de painéis fotovoltaicos e operadores de drones serão os profissionais mais requisitados no novo mercado que irá surgir a partir da hibridização das hidrelétricas. E os trabalhadores já podem e devem começar a planejar a qualificação. A instalação das usinas solares flutuantes tem impacto econômico, social e ambiental, abrindo caminho para a criação de 475 mil empregos em 10 anos no Brasil. A cada MW implantado, em média, seriam geradas 25 vagas diretas.

Hidrogênio Verde impulsionado pela hibridização das hidrelétricas

A regulamentação da hibridização das hidrelétricas também abre espaço para a produção de Hidrogênio Verde em larga escala. A Europa, já mais avançada na hibridização, projeta instalação de 3.350 GW adicionais até 2050 em energias renováveis dentro da meta de se tornar carbono zero. Portugal, por exemplo, anunciou em maio de 2020 a chamada pública do Hidrogênio Verde e apareceram 75 projetos que totalizam 17 bilhões de euros.

O Brasil que tem as melhores condições para implantar processos de produção de hidrogênio verde baseados na hibridização e acaba de dar os primeiros passos no mesmo sentido. O Ceará assinou em fevereiro de 2021 um memorando de entendimento com a multinacional australiana Enegix Energy para a implantação de uma usina de hidrogênio verde no Complexo Portuário e Industrial do Porto do Pecém (Cipp). O valor do investimento, de acordo com o Governo local, será da ordem de US$ 5,4 bilhões. Em paralelo, também está sendo criado um grupo de trabalho para desenvolver políticas públicas de energias renováveis para que seja viabilizado um hub de hidrogênio verde no estado.

O hidrogênio verde, todo produzido a partir de fontes de energias renováveis, é apontado como peça-chave no processo de descarbonização do planeta nos próximos anos.  O transporte do hidrogênio verde ainda é o grande desafio, mas já se pensa em soluções logísticas de exportação na forma de Amônia ou até mesmo na forma de Etanol para obter Hidrogênio Verde no destino. O Brasil pode se transformar num HUB do Hidrogênio verde e se tornar num grande consumidor e exportador para ajudar a descarbonizar o planeta.

Luiz Piauhylino Filho, sócio-diretor da KWP – Sunlution, é advogado com L.L.M de The George Washington University –DC – 1996 em Legislação Internacional. Atende a diversas empresas dos setores de telecomunicações, energia, concessões  rodoviárias e aterros sanitários.

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